quinta-feira, 3 de abril de 2014

Ato em Homenagem à Resistência e Luta pela Democracia

Ato na no Tuca, teatro da PUC-SP, lembrou os cinquenta anos do golpe militar de 1964 com música, poesia e denúncias. Organizado por uma ampla variedade de entidades.

Paulo Abrão, secretário nacional de Justiça e presidente da Comissão de Anistia, ao iniciar o evento fez uma espécie de testamento político sobre o significado trágico do período em que o Brasil foi governo pelo arbítrio e a violência. Segundo ele, o ato era para demarcar os valores e posições em torno de uma batalha que tem sido difícil, demorada, mas vitoriosa. Não só porque algumas conquistas democráticas estão sendo implementadas, mas fundamentalmente porque os atos em torno da verdade, da memória e da justiça sobre os crimes do passado em todo o Brasil têm reunido amplos segmentos da juventude.

Para Paulo Abrão, é preciso dizer com voz ativa que a sociedade brasileira não aceita, em nenhuma hipótese, a tomada do poder com uso da força das armas, a ruptura institucional. Segundo ele, o Brasil está vencendo o negocianismo, o medo de discutir o passado, porque hoje é muito mais difícil sustentar teses de que a torturas não existiu e negar que o Estado criou deliberadamente um aparato sistemático de destruição de vidas. “Essas estruturas foram engendradas por dentro das administrações, com dinheiro do povo, como centros de torturas”, afirmou.

Segundo ele, a ditadura matou desde o seu primeiro dia. Assassinou no Rio de Janeiro e no Recife no primeiro dia do golpe. Prendeu, torturou e abusou dos direitos de milhares de militares que disseram não, que não aceitaram serem instrumentalizados para instaurar um regime ditatorial. Prendeu sindicalistas, caçou mandatos políticos, desde o seu primeiro instante. “A sociedade brasileira resistiu porque ela tinha o legítimo direito de resistir. E agora vamos disputar esse novo caráter nacional. Porque falar de memória e instituir a disputa política é dizer que a historia não é mais contada pelo viés, pelo olhar dos vencedores de então”, destacou.

Paulo Abrão disse que por meio dessa grande processo de mobilização cultural virá à tona questão que ainda não foram resolvidas. Ele lembrou que seguimentos das elites políticas e econômicas até pouco tempo atrás diziam ser um erro levantar esses temas ou discutir esses assuntos, pois causaria instabilidade democrática. “Estamos dizendo que não, que é o contrário, que não é possível olhar para o futuro sem reconhecer cada erro do passado. Isso é construir uma nova a ética social. Isso é construir uma nova cultura nas nossas relações. A cultura da transparência, da verdade e da memória. Uma luta contra a cultura do jeitinho, dos favores, da ausência de justiça social”, asseverou.

Essas iniciativas, de acordo com Paulo Abrão, estão criando um grande movimento nacional para gerar uma consciência critica no povo brasileiro em favor da democracia, dos direitos humanos, “pois não existe democracia sem um profundo respeito a todos os direitos humanos, na sua completude”. “É por isso que estamos inaugurando monumentos ao ‘nunca mais’”, destacou, enfatizando que no Rio de Janeiro um deles foi erigido em frente ao Clube Militar e dedicado aos militares cassados por seus pares. “Porque a dignidade desses militares esquecidos é também o exemplo que queremos que contamine os militares do presente, aqueles que hoje estão dentro das Forças Armadas, para que nunca atentem contra o seu povo, para que nunca instrumentalizem uma instituição tão cara para o Estado e a democracia para fins de realização de intempéries pessoais”, afirmou.

Assista o Ato na íntegra



Paulo Abrão disse ainda que falta gerar um ambiente para consolidar a força do “nunca mais” como um valor da democracia. “Hoje são muitos os jovens que têm uma crítica muito forte ao excesso de pragmatismo político. Eles têm razão. Mas temos a responsabilidade de não permitir que essa crítica ao pragmatismo político se transforme em ceticismo com a política. Porque o que a ditadura quis fazer era isso. Ela criminalizou a vida política, a política, a participação popular, a liberdade de pensamento, a organização social. Não podemos ter descrença com a política como a forma de organização da nossa vida social. Se não concorda com os políticos que hoje estão aí, se candidatem, participem, filiem-se aos partidos políticos. Se não concordam com partidos que estão aí, organizem-se, Fundem novas organizações partidárias”, asseverou.

Mesmo as discordâncias com o sistema, disse, precisam ser tratadas no âmbito da política. “Organizem-se. Lutem apara alterá-lo! Mas em nenhuma hipótese deixemos que a vitória da ditadura, na sua cultura autoritária projetada para frente, seja dada com a descrença dos jovens na política.

Após a inauguração do monumento ao “nunca mais” em frente ao Tuca — um dos 16 que serão instalados ao longo do ano, um projeto da Comissão de Anistia em parceria com o Instituto Alice —, começou o ato no teatro, apresentado pelo ator o Sérgio Mamberti simbolizando uma homenagem a todos os artistas vítimas da ditadura. O auditório do teatro que foi criminosamente incendiado nos tempos da ditadura, e que em 1978 o 1º abrigou o 1º Congresso Nacional pela Anistia, estava repleto. No palco, se apresentaram antigos frequentadores, como o poeta Thiago de Mello — recebido de pé pela plateia — e o músico Sérgio Ricardo — nos anos 1970 eles participaram do show “Faz Escuro Mas Eu Canto”, o mesmo título de um livro de Thiago de Mello.

Algum tempo depois, Thiago de Mello, ainda na atividade diplomática, recebeu um malote com os jornais e viu na primeira página do Correio da Manhã a figura do líder comunista Gregório Bezerra descalço, só de calção, “o peito todo lanhado, o sangue ainda escorrendo, puxado por uma corda". "Este não é meu pais", afirmou. Duas semanas depois veria, também no Correio da Manhã, a imagem de outro comunista, Astrojildo Pereira, "apaixonado pela obra de Machado de Assis". "Tomei sozinho a decisão de renunciar ao meu posto", lamentou. Thiago de Mello disse ainda que ao tomar conhecimento do Ato Institucional número 1, o primeiro da ditadura militar, escreve o famoso poema “Os Estatutos do Homem”.

O Coro Luther King interpretou “Viola Enluarada”, de Marcos Valle — segundo Mamberti, o verso “O mesmo pé que dança o samba se for preciso vai lutar” expressa “a índole do povo brasileiro" — “Bella Ciao”, hino de resistência italiana durante a Segunda Guerra Mundial, “O Bêbado e a Equilibrista, de João Bosco e Aldir Blanc”, e “A Internacional”. Sérgio Ricardo também cantou “Perseguição” e “O Sertão vai Virar Mar”, trilhas do filme “Deus o Diabo na Terra do Sol”, de Glauber Rocha.

Na tribuna, João Alexandre Goulart, neto do presidente deposto pelos golpistas em 1964 João Goulart, destacou a ausência nos livros de história de informações exatas sobre o avô. "O silêncio da morte foi a versão oficial do governo", disse ele, ressaltando também a omissão sobre a participação norte-americana no golpe e as campanhas do complexo Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES)/Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), uma poderosa organização de empresários ligados ao capital multinacional, nas conspirações que levaram ao golpe. "Em que página (dos livros de história) estava a Operação Brother Sam?", indagou, referindo-se à participação dos Estados Unidos na trama golpista.

Maria Rita Kehl, da Comissão Nacional da Verdade, disse que uma das justificativas para o golpe é totalmente inconsistente: a de que a ditadura foi um mal necessário “para evitar que o Brasil se tornasse uma Cuba”. "O golpe implantou uma ditadura de 21 anos para evitar que aqui virasse uma ditadura? Tem alguma coisa errada aí. Inconscientemente, eles se denunciam", afirmou. "O que eles vieram evitar foi o que eles fizeram." Ela comentou ainda o carimbo de “comunista” que a direita espalhou sobre João Goulart. "O projeto de Jango não era do comunismo radical, mas de reformas. E estamos atrasados até hoje. Na verdade, eles vieram para evitar a distribuição de renda, de terra, dos meios de produção."

Falaram ainda os representantes do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) — leia a íntegra aqui —, do Partido Democrático Trabalhista (PDT), do Partido dos Trabalhadores (PT), da União Nacional dos Estudantes (UNE), da Central Única dos Trabalhadores (CUT), da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), da Arquidiocese de São Paulo (representando Dom Paulo Evaristo Arns) e do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST).

A atividade foi uma iniciativa de diversas entidades e organizações políticas, entre elas as fundações Maurício Grabóis, Perseu Abramo e Getúlio Vargas; os partidos PCdoB e PT; as centrais sindicais CTB e CUT; as entidades juvenis UNE, UBES e UJS; a UBM, o MST, a Conam e a OAB. Integram também a organização da atividade a Comissão da Verdade do Estado de São Paulo Rubens Paiva e a Comissão da Verdade da PUC-SP – Reitora Nadir Gouvêa Kfouri.
Fonte: texto de Osvaldo Bertolino no site da Fundação Maurício Grabois

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